Segunda mesa do Seminário Midiatização tem debates sobre algoritmos e homenagens

Por em 18 de novembro de 2020

Na última quarta-feira (11), foram realizadas as conferências da segunda semana do IV Seminário Internacional em Midiatização e Processos Sociais. A mesa ‘O conhecimento em códigos, redes e mediações algorítmicas’ teve as apresentações e diálogos dos pesquisadores Sandra Massoni (UNR – Argentina), Eneus Trindade (USP) e Pedro Gomes (UNISINOS). O encontro está disponível no canal Midiaticom

Sandra Massoni abordou as estratégias enativas de comunicação e uma perspectiva de mudanças epistemológicas nas pesquisas em Comunicação, Trindade tratou de discussões teóricas sobre a publicidade algorítmica e o agenciamento de interações, enquanto Gomes apresentou apontamentos sobre os códigos escondidos nos processos midiáticos.  

Em sua apresentação, Sandra Massoni propôs o exercício de construir novos conceitos para pensar a Comunicação. Como exemplo, abordou como trabalha com o paradigma comunicacional nas pesquisas que desenvolve. “Propomos redefinir a comunicação como um encontro na diversidade, uma mudança social conversacional que faz emergirem mundos. Este é o objeto de estudo especificamente comunicacional que propomos através do disciplinar interdisciplinado”, explanou Sandra. “A comunicação estratégica enativa que propomos é uma crítica tanto às teorias computacionais, quanto às teorias representacionistas da comunicação. A comunicação não é desencarnada, não há comunicação se não há corpos, tampouco é descontextualizada, é no entorno que se faz emergente o comunicacional”, complementou.

Autor de pesquisa sobre a algoritmização da publicidades e as relações entre marcas, aplicativos e consumidores, Eneus Trindade apresentou alguns dos aspectos que observa nessa processualidade. “Nós percebemo que as relações entre marcas e consumidores em suas inscrições na mediação dos algoritmos nos aplicativos permitem o uso de lógicas programadas para interação, via affordances dos sistemas de interação, e permitem manipulações e filtragens que geram essa manipulação do efeito do algoritmo na medida em que ele reconhece dados, permitindo o efeito de direcionamento e  predição a partir de reconhecimentos atitudinais dos usuários consumidores”, explicou. 

Por sua vez, Gomes expôs perguntas e caminhos possíveis para responder quais os subcódigos dos processos midiáticos. O ponto de partida da fala foram as interfaces com a obra do cientista francês Joël de Rosnay, entre epigenética, epimimética e midiatização. O papel da genética clássica do conjunto dos processos que resultam em mudanças na expressão genética sem alterar a sequência do DNA do código genético. Quando eu refleti sobre isso, eu vi que Joël de Rosney aplicava esse conceito para a sociedade. O gene transforma-se em meme, logo, epigenética se transforma em epimimética. A hipótese é que para compreender com mais precisão uma sociedade em midiatização, é imperioso trabalhar na explicitação dos códigos escondidos dos códigos midiáticos”, concluiu.

 

Debates sobre algoritmos

Logo após as falas de cada conferencista, os três fizeram perguntas uns aos outros a partir das pesquisas apresentadas. Perguntado por Sandra sobre o lugar da imagem nas investigações sobre mediações algorítmicas a partir do pensamento do semiólogo francês Eric Landowski, Trindade partiu do pressuposta da alteração da cultura alimentar dos consumidores de aplicativos de alimentação e das imagens por ele veiculadas. “O aplicativo é uma marca, como o IFood, por exemplo, que nos mostra uma mudança da cultura alimentar em circuitos de small data que são identificadas dentro de big datas e que se transformam em small data para indivíduos, grupos específicos, com perfis semelhantes. Esses padrões têm consequências sobre as imagens das culturas porque apagam processos. e veja, é uma análise como o padre Pedro colocou na exposição dele. É uma interação que tem uma superficialidade mas que na perspectiva de sua interação e de lógicas que sustentam, mostram-se com apagamentos de importantes traços imagéticos culturais”, analisou.

Quando Trindade perguntou a Gomes, questionou a utilização da perspectiva de Rosnay de que o DNA biológico é imutável, devido às modificações que a mediação tecnológica no âmbito ambiental traz ao planeta e consequentemente ao homem. Segundo Gomes, “existem muitas reflexões hoje falando justamente sobre a questão do futuro do humano. Alguns falam em pós-humano, outros em trans-humano. A minha percepção é que esta mediação tecnológica num primeiro momento estaria não acelerando a mudança no DNA, mas, acelerando justamente os códigos sob o código que vai transformando”, respondeu. 

A pergunta de Gomes para Sandra foi específica sobre a importância das pesquisas de Jesús Martín-Barbero nos estudos por ela desenvolvidos. A pesquisadora respondeu que “todo nosso trabalho está baseado no projeto de Jesús Martín-Barbero. NÃo só está baseado como antecedente científico, como também é nosso principal impulsionador a respeito da imperiosa urgência de compreender a mudança que atravessa a comunicação das conversações e dos conflitos sociais, porque é aí onde a comunicação se produz. Só interessa o olhar radical, disse o professor Barbero. Se fazem visíveis tanto o andar e a densidade das transformações sociais como as janelas da inovação que precisamos explorar”, avaliou.

 

Homenagem a Ciro Marcondes Filho

A abertura do encontro contou com uma homenagem da Comissão Organizacional e do Comitê Editorial do evento em memória do professor e pesquisador Dr. Ciro Marcondes Filho, falecido no dia 8 de novembro. Quatro dias antes, ele participou da mesa de abertura do Seminário Midiatização, em sua última fala pública. Professor  Titular do Programa  de Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) e do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), Ciro Marcondes é autor de obras importantes de reflexão sobre o campo da Comunicação e o Jornalismo no Brasil. 

Colegas pesquisadores deram testemunhos sobre a trajetória acadêmica, os momentos compartilhados com Ciro Marcondes e os ensinamentos, além de prestarem condolências à viúva, Márcia Marcondes. Abaixo, constam trechos das falas da homenagem.

Jairo Ferreira (UNISINOS): “Na última quarta, Ciro e braga na abertura do seminário fizeram um dos debates mais intensos da área da comunicação. foi a mesa de abertura em homenagem aos dois. o que assistimos foi uma coreografia do saber. algo lapidado na área, feito por pares que se lapidam nas interações. 

Às coreografias do desejo, consolidando 10 anos de interlocuções produtivas. o Seminário Midiatização tem o Ciro em sua harmonia, ritmo e melodia. no modo de reunião taba indígena, mosaico, a projeção em rede, a escola invisível, a tentativa de generosidade formativa, entre outros sensos de organização de viver, foram cultivados em conversas e práticas com o Ciro nos últimos 10 anos, em especial nas interações que realizamos na rede de comunicação que Ciro liderou junto com o Filocom. todas essas conversas estão aqui, incluindo a questão central, repito com o tambor que rompe o silêncio. silêncio atordoante desta despedida: o que é comunicação? Então, nossos sentimentos aos familiares, em especial à esposa márcia e colegas de pesquisa de Ciro Marcondes aqui presentes”.

Pedro Gomes (UNISINOS): “O Ciro não compactuava com a mediocridade e isso era consenso geral. Nessa perspectiva, eu aprendi a admirar o professor Ciro. Ele era um Homem que se destacava na USP, na Escola de Comunicação e Artes. Eu tenho certeza e a minha convicção é que a reflexão sobre comunicação no Brasil teve uma grande perda com o falecimento do professor Ciro.

José Luiz Braga (UNISINOS): “Eu tive na quarta-feira a enorme satisfação de participar de um debate com o Ciro e ao mesmo tempo isso me deixou terrivelmente comovido ao ter a notícia do falecimento do Ciro.”

“Eu quero só dar meus sentimentos para a Márcia…Meus sentimentos muito profundos, Márcia”. 

Eneus Trindade (USP): “Como colega e ex-aluno do professor Ciro Marcondes, dentro da Escola de Comunicação e Artes da USP, eu gostaria de prestar o meu tributo, de homenagem ao professor Ciro, como grande professor que foi, antenado com as questões da Comunicação. O tema do nosso Seminário, por exemplo, hoje, já era discutido pelo professor Ciro em 1996”.

“Como ex-aluno, teria sido um equívoco de minha parte não ter sido aluno do professor Ciro. Felizmente não cometi esse equívoco e deixo aqui meus sentimentos à Marcia e aos demais familiares e manifesto, com certeza, que a Escola de Comunicação e Artes está em profundo luto pela perda do pesquisador Ciro Marcondes Filho”.

Göran Bölin (Södertörn University – SUÉCIA): Para nós, na Suécia, o professor Ciro é uma nova descoberta. Então, na semana passada quando nós passamos várias horas nesta mesma sala, ouvindo as palavras do professor Ciro e do professor Braga, nós  ficamos muito impressionados, muito contentes e logo após o seminário nós tivemos uma breve conversa sobre a seção e nós na mesma hora entramos online e compramos os volumes que tinham em inglês do volume A Nova Teoria da Comunicação para tê-los disponíveis na nossa biblioteca para nossos alunos. Nós estendemos nosso sentimento a todos vocês que os conheceram por muitos anos e principalmente à Márcia.

Antonio Fausto Neto (UNISINOS): Duas palavras: Ciro foi um pesquisador muito discreto. Porém, sempre acompanhado por gerações que estiveram perto dele compartilhando em diferentes estilos e formatos um saber em produção. Nunca disputou plateias, mas foi generoso no compartilhamento de seus achados e achados que ficaram expostos nas suas diferentes intervenções e também nos seus escritos. Se nós somos sensíveis aos sinais, acho que o nosso encontro com o Ciro na semana passada foi uma manifestação na qual ele se dizia permanecer nos circuitos especialmente para as novas gerações para quem sua obra está à espera, mesmo que em alguns momentos, tenhamos que esgrimar, pelejar, exercitar algo mais complexo do que a cultura algorítmica. Isso é um prêmio, é um ganho para uma cultura socializada à margem da teoria da comunicação. Então, Ciro fica conosco. Abraço afetuoso para a Márcia e a família.

Mário Carlón (UBA – Argentina)

Bom dia. Brevemente, só queria dizer que lamentavelmente aqui na Argentina estes anos a obra profundamente do professor Ciro e sem dúvida muito interessado pelo debate profundo que teve com o professor Braga, debate como sempre profundo e sutil e claro que depois manifestei a Jairo que fiquei muito impactado pelos acontecimentos desta semana. Não há muito mais que poderia dizer. Creio que estamos na Argentina voltando a pensar em algumas questões feitas neste debate, que podem ser muito proveitosas. Obrigado.

Ada Cristina Machado Silveira (UFSM)

Gostaria de registrar os nossos sentimentos à viúva e  a seus familiares do passamento do professor Ciro que nos surpreendeu. Eu não fui aluna do professor Ciro e nem o conheci em pessoa, no entanto a referência de sua obra que eu utilizei até pouco tempo em disciplinas sistematicamente consiste no registro dos mais profundos debates que a academia brasileira pôde produzir dentro do contexto que nós entendemos como pesquisa em comunicação. 

Sandra Massoni (UNR – Argentina)

Não tive oportunidades de conversar com o professor Ciro. A sua apresentação neste seminário. claro que foi suficiente para ver que é uma grande pessoa, um intelectual comprometido com seu tempo e, portanto, um exemplo vital para todos nós,,, que sua recordação permaneça e sua trajetória será recordada e conhecida. Condolências a toda a família e a toda a comunidade acadêmica.

Ana Paula da Rosa (UNISINOS)

Queria agradecer as contribuições do professor Ciro para o pensamento comunicacional, sua generosidade e as trocas que tivemos. Foram em diversos momentos em que tivemos  a oportunidade de estarmos juntos, em alguns momentos com os grupos de pesquisa com os quais trabalhávamos e nestas ocasiões eu me lembro que ele sempre chamava a atenção para que nos sentássemos em círculos para que pudéssemos ver os rostos um dos outros. Esse indicativo mostra o lugar do afeto e do debate sempre aberto. também quero destacar o lado do colega, do incentivo de ir além da pesquisa mesmo para quem estava só começando. O campo da comunicação certamente sente esta perda mas a sua obra fica no seu legado, rendendo pesquisas futuras e na saudade como uma presença. Em nome do PPG em Ciências da Comunicação, o nosso carinho e a todos os familiares e em especial à Márcia.

Márcia Marcondes

A última semana foi muito difícil para ele. No entanto, todos os compromissos acadêmicos do Ciro. Mesmo com o problema de saúde, ele era muito independente. e eu só fiquei sabendo algumas horas antes que ele teria que estar presente no evento. E aí, com o auxílio do Jairo, nós conseguimos preparar o Ciro, organizar, porque ele já estava até um tanto confuso. no entanto, quando o evento começou, de fato, brotou no Ciro uma força tão grande, que  aconteceu o que vocês disseram aqui. E essa questão também que ele colocou em relação ao Ciro pensar na resposta, essa era uma característica muito forte dele, q quando parava para pensar, vinha uma onda enorme de informações. muito obrigada. ele fala que o Ciro era um pesquisador discreto e generoso e disse que ele nunca disputou plateia,e que ele permanece no circuito para as novas gerações. esse era o sonho do Ciro. Ele nunca quis se afastar da juventude justamente por isso. queria dar aula para os iniciantes. Isso o deixava muito feliz. Muito obrigada.

A programação geral do Seminário Midiatização pode ser conferida aqui.